sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Gerações





Numa tarde cinzenta, caminho pelas ruas de uma cidade apinhada. Três gerações compõem o cenário. O grupo dos inocentes, crianças que correm de brinquedo na mão e estrelas no olhar. Os aprendizes comuns, que vestem a capa de sabedores e palmilham a avenida apressadamente, com destino a todos os lugares e a nenhum lugar em concreto.
Talvez eu faça parte deles. Talvez eu também negue que a sabedoria não é o meu forte e que essa se intrinca na geração que sobra.
Passo por eles. Anciãos vividos, de lição aprendida à espera da morte. Olham para mim. Com pena. Atirando-me palavras mudas, que me dizem que a tristeza não leva a lado nenhum e que não devia fazer parte de uma jovem como eu.
E eu sei que eles têm razão. Sei que estão certos, quando me dizem que não vale a pena estar triste. Mas é inevitável. É inevitável deixar de sentir este aperto no peito. Esta falta de apetite. Esta falta de vontade de continuar.
“Não desperdice a sua juventude, menina!”, diz uma voz atrás de mim, em tom de conselho e desta vez, com som. Olho para o lado e deparo-me com uma idosa vestida de preto.
Luto? Pergunto-me eu. Chorar a perda de um ente querido. Trajá-la, vestindo o negro, no corpo e na alma.
Subitamente pondero. Porque não? Porque não começar, também eu, a vestir-me assim? Envergar as vestes negras. Chorar a minha perda. A perda de mim mesma.
Dou alguns passos em frente. Observando. Passando, lentamente, por toda uma geração que está longe no tempo, mas que traz no olhar muito mais vida, sabedoria e experiência do que a minha.
“Coitadinha!”, oiço-os murmurarem, comentando uns com os outros. Lamentam-me o aspeto. Rezam por mim. Pelo fim das minhas olheiras sombreadas. Pelo meu olhar sem brilho. Pelo descair dos meus ombros.
Acham-me doente. Mas eu sei que eles sabem de que doença padeço. Principalmente as senhoras vestidas de preto, com aspeto de carpideiras e uma aura de resignação sofrida, a pairar junto de si.
Eu sei que elas sabem. Que percebem. Que compreendem. Elas são esposas. Mulheres. Mães. A maioria traja de negro e eu sei que sabem, tão bem ou melhor do que eu, quando um coração se desmancha e se torna num vazio incolor.
Sei que elas estão certas, quando me dizem que a tristeza não vale a pena. Já chega! Já chega de alimentar esta dor. Chega de sofrer. Chega de perder o meu tempo de ouro com bijuteria.
Sei que muitas delas dariam tudo para estar no meu lugar. Para terem uma vida inteira pela frente. Para terem a juventude a pulsar-lhe nas veias.
Elas têm sonhos. Ainda. Sempre! Mas eu não. Eu já deixei de sonhar. Já deixei de acreditar.
Arrasto-me pela rua. Numa cidade sem destino. Sobrevivo na rotina de dar sempre os mesmos passos. De tatear, às cegas, as mesmas paredes sempre iguais. E de cair sem alcançar a direção.





[Imagem retirada da Internet]



Este texto integra o meu livro:


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