sexta-feira, 3 de março de 2023

Checklist





A checklist estava pousada em cima da secretária. No papel, um conjunto simétrico de linhas com as tarefas agendadas para a semana. As palavras, escritas numa caligrafia irrepreensível, faziam doer os olhos pelo teor de perfeição que as assolava.
Ao lado do copo das canetas de várias cores. Entre o alinhamento – também simétrico – de marcadores igualmente variantes de uma paleta de artista. Rasando o bloco limpo e imaculado de folhas pautadas, saltava à vista como um passaporte dourado para um destino paradisíaco.
A checklist era o cúmulo da organização. Os dias corriam iguais. O mundo que ela conhecia, parou, modificou-se, simplesmente mudou! E isso implicava que tinha de se agarrar a tudo o que restava. Só Deus sabia o quanto esse tudo carregava o peso impossível de um eufemismo. A checklist era a sua boia de salvação!
Porque a sua cabeça estava baralhada. Porque o seu cérebro era a testemunha viva da confusão emaranhada em horas, contratempos, silêncios e intempéries. Aquela lista de tarefas era o tudo pesado que sobrava, quando o caos – mais pesado, ainda! - teimava em vir para ficar.
Então, alumiada pela última luz que entrava pela janela, a checklist pousada em cima da secretária tornou-se na possibilidade inevitável de um caminho. No papel, o conjunto perfeito, que de tão perfeito, enjoava.
Subitamente, ela lembrou-se! Lembrou-se do passado. De dias passados sem checklists, sem tarefas programadas. De dias de braço dado com o conceito Liberdade.
Era uma palavra tão bonita! L-i-b-e-r-d-a-d-e. Fazia comichão na língua e agitava o espírito, quase como um refresco num dia quente de Verão ou o beijo de um amante proibido numa doce e ténue madrugada.
Não havia horas. Só havia vida. E magia! A magia de não ter horários, nem regras, nem limites.
Mas essa altura estava tão longe... Tão longe, que parecia ter sido noutro século e com outra pessoa, que não ela!
A checklist era o símbolo de um conceito muito diferente. O conceito da Responsabilidade.
Quem disse que crescer era fácil? (Ninguém!).
Agora havia tempo, mas não havia Liberdade.
A checklist chamava sem falar. Obrigava, sem puxar ou agredir. Ali, pousada em cima da secretária, imaculada, fiel à organização, organizava-lhe a vida sem lhe conceder opção de escolha.
Ela ainda adornava os cantos brancos da amorosa folhinha com flores, corações ou smiles, deturpando um pouco o seu significado de “imaculada”. Ainda se iludia, ineficazmente, que se o fizesse, poderia recuperar um pouco o tempo perdido. Mas o tempo é… simplesmente o tempo! E não há nada que possamos dizer ou fazer para o recuperar.
A checklist estava pousada em cima da secretária. Nela, escritas irrepreensivelmente as tarefas da semana. Mais uma rotina. A mesma de sempre.
Quantos de nós somos, hoje em dia, reféns de checklists?






[Imagem retirada da Internet]


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