sexta-feira, 21 de abril de 2023

Depois da esperança, só tu: Abril!





Onde estás? Quero falar contigo e pedir-te que voltes. Ou, se não puderes voltar, que apenas faças chegar a nós as marcas do que um dia foste. Hoje a esperança escasseia. Olhei à minha volta de manhã, quando saí à rua e vi a miséria e a decadência a espreitar de cada esquina. Num beco cruel da amargura, uma fila de gente, já vazia e mais perdida a cada dia que passa.
Onde estás? Não percebes que precisamos de ti, como esse povo que já se substituiu, mas que te continua a querer e a respeitar a cada dia, da mesma forma que eles um dia o fizeram? Onde estão todas as promessas de um futuro promissor? Onde estão essas vozes que marcaram a diferença, juntamente contigo e que batalharam para chegar, até onde já chegámos?
Onde estás, que foste embora e nunca mais voltaste? Há quem diga que ainda cá andas. Que ainda permaneces em cada bocado sombrio, que hoje compõe cada cidade do país. Há quem diga que é tudo uma questão de tempo (e talvez, também, de desespero) até voltar a haver outro como tu, que redobre as forças e que nos dê o que nós sabemos tão bem merecer.
Mas nós não queremos outro. Queremos-te a ti! Àquele que nos prometeu o mundo. Àquele, por quem os nossos antepassados lutaram tanto para conseguir fazer “O Rei”. Queremos ver-te hirto, de ideias vincadas, fixado nos padrões estipulados a quem ainda tem fé e acredita no seu berço debruado a ouro.
Não. Não me compreendas mal. Ninguém te culpa. Ninguém te julga. Tu estás velho. Estás cansado de ver definhar tudo aquilo que construíste. Mas mesmo assim, sou eu que te estou a pedir que não desistas. E peço-to em nome de todos aqueles que pensam como eu.
Achas que gostamos de te ver vergado, ano após ano, mais um bocadinho, por aqueles que não sabem reconhecer o teu valor? Achas que gostamos de te ver sob a forma de mil correntes de água suja e pobreza, que transformaram o nosso lugar de vivência em algo comum e indiferente, ao que um dia significaste?
Peço-te que voltes. Quero falar contigo. Quero explicar-te e quero que vejas com os teus próprios olhos, como estamos a cair no chão poeirento e pedregoso da dor, da miséria, da insensatez.
Sei que há por aí muita gente que está a perder o orgulho. Que o está a substituir por impotência, resignação e muitos outros sentimentos de quem está cansado e farto de lutar em vão. Mas não deixes que isso aconteça! Não nos deixes transformar este país no lugar dos habitantes oprimidos e vencidos por alguém que não sabe reconhecer quem és.
Onde estás? Volta! Dá-nos a esperança, se é que ela ainda existe. Mostra-nos o caminho. Envia-nos um sinal. Uma pétala desse cravo vermelho. Ou um simples laivo de revolução, que nos prometa que tudo isto vai mudar.
Onde estás, Abril? Onde estás, que pareces ter ido embora e ter abandonado quem um dia deu a vida por ti?






[Imagem retirada da Internet]



Este texto integra o meu livro:


Para encomendar um exemplar, envie um email para pimenta.nicp@gmail.com

sábado, 15 de abril de 2023

Rugas





Hoje percebi que não tenho medo de envelhecer. Não quer dizer que não vão existir dias – ou noites (porque as noites são sempre as melhores, as mais sinceras e as mais justas confidentes) – em que vá colocar, novamente, tudo em questão. 
Quando vi as primeiras rugas a aparecer em redor dos meus olhos, chorei, desesperei, quis desistir. Era (e sou!) demasiado nova para as ver chegar assim, precocemente, sem poder fazer nada…
Mas, depois de muito analisar, percebi que é o nosso caminho, que são os passos que damos, as pedras que somos capazes de contornar e, até mesmo, aquelas em que tropeçamos, o que nos marca a alma e a pele. 
Não são as rugas! Cada ruga deve ser motivo de orgulho. Se surgiu pela languidez da desilusão, se veio da maneira como ela se instala sem avisar, como vorazmente se apodera da nossa alma para a abanar e como depois nos vai consumindo nessa fórmula lânguida e melancólica, exatamente a pouco e pouco, pouco importa! Importa ainda menos se veio da dor, da dor física, intensa e cruel. Ou se veio apenas da passagem do tempo... Tudo o que nos acontece – sei-o agora e tenho-o aprofundado ao longo dos anos – tem um propósito. E se hoje, antes dos trinta, começo a ter algumas rugas, é porque também tenho marcas. E quem tem marcas, viveu. Porque cada traço vincado na pele é uma estrada, a estrada que percorremos, a bem ou a mal, e que junta um rasto de pegadas atrás de si, formando um trajeto possível para quem se cruza connosco.
O meu medo não é envelhecer. O meu medo é provocado pelo cansaço. Porque é o cansaço que nos extenua, que nos deita abaixo, que nos faz duvidar de nós. 
Por isso é que eu gosto tanto de escrever e divagar sobre as pausas... Sim, sobre as pausas que devem ser feitas enquanto ainda temos fôlego para isso.
Eu prefiro reconhecer a verdade e parar (ninguém tem de ser forte vinte e quatro horas por dia). Prefiro saber que é esta a verdade e prefiro parar. Mesmo que me digam que sou preguiçosa, mesmo que atirem o palpite de que não estou a fazer nada, eu tenho de fazer e sentir o que é melhor para mim!
Não há perigo maior, nem abismo mais escuro, do que perder a vontade de prosseguir (mas continuar a andar…), do que perder o gosto em sorrir (mas continuar a dar azo ao gesto, só para fingir que está tudo bem e calar os outros…), do que deixar de arriscar (pelo trabalho que isso vai dar…). Não há nada pior do que deixar de seguir, de viver e de aprender.
Tenho rugas. Estou a começar a tê-las e não me importo. Cada ruga é sinónimo de um caminho, de uma lição, de uma experiência que, juntamente com as outras todas, formam o livro da minha vida. As rugas, que também são linhas, servem para escrever. Escrever cada dia, cada página, marcá-la, tatuá-la com uma caneta de tinta permanente. Porque apagar um bocado da minha história, porque negar o avançar do que o tempo não levou e transporta consigo em direção ao futuro, é erradicar quem sou. 
E eu, nós, somos únicos. Cada ser humano é uno e tem um espaço só seu. Este é o meu! Com ou sem rugas. Mais velha e menos cansada. Ou ainda não assim tão velha, mas com o cansaço no limite. E o caminho é sempre em frente. Por mais que custe. Por mais que doa. Por mais que, por vezes, apeteça deitar tudo para trás das costas e partir. 
O amanhã já não me assusta. O que me assusta é o cansaço que tenho do mundo em que vivemos e que nos grita, sem saber, para deixarmos de ser quem somos, sabendo que cada um é como é e que é a diversidade o que nos torna especiais.