quarta-feira, 28 de junho de 2023

Rumo à aventura





Tu querias a aventura, porque já nada do que tinhas te chegava. Eu queria a realidade do mundo, porque era somente nele que conseguia viver. Mas tu insistias que a aventura era o teu ideal. Querias descobrir lugares novos. Desejavas explorar o desconhecido e negavas, a cada instante, pisar o chão que toda a gente pisa. Ansiavas elevar-te, mas eu confessei-te que a única coisa que ansiava era ter-te perto.
Não ligaste. Voltaste a dizer-me que querias partir rumo à aventura, pois era ela que te enchia a alma. Entristeci. Sempre pensei que quem te enchia a alma era eu, como tu enchias a minha. Mas fingi não ligar, como tu também não ligaste à minha vontade da realidade.
Um dia, quando abri a porta, tu não estavas. Tinhas feito as malas e ido viajar pelo mundo inteiro. O meu peito apertou-se e uma dor aguda alojou-se em mim. Não consegui evitar esboçar um sorriso. Algo simples. Débil e fraco. Mas um sorriso. Uma linha curva ascendente, em redor dos meus lábios. Orgulhei-me de ti. Querias ser diferente. E valorizei-te por isso. Valorizei a tua coragem.
Há muita gente que gostava de ser como tu. Ter em si o desejo de salvar vidas e mudar o mundo, não basta. É preciso ter coragem para pegar nos sonhos e voar por aí. E de coragem tu sempre transbordaste. 
Não te pude condenar. Não era ninguém para o fazer. Nunca fui. Aquilo que eu fui, é aquilo que sempre serei. Mais uma a desejar apenas a realidade. A realidade de um beijo. A realidade de um abraço. A realidade de um momento. A realidade de um pedaço de pão na mesa, todos os dias e de uma réstia de coração, ainda que amolgado. Nos dias que correm, os sonhos já não nos dizem nada e a vida faz-nos abrir os olhos e exigir demais de todos nós.
Menos de ti. Tu és o diamante que brilha, no meio das pedras que compõem o chão. Aquele que nunca tiveste vontade de pisar. 
Um dia, quando abri a janela, vi um barco ao longe e soube que eras tu. Voltavas do desconhecido (agora já conhecido para ti) e trazias a alma cheia e as mãos gastas pelo tempo e suor do teu trabalho e da tua força. Estavas de passagem. Este país não é para ti. Nunca foi e não te alimenta o ego nem a boca.
O nosso olhar cruzou-se e reconheci nele tempos passados de glória, como estes recentes que marcaste com o teu corpo, no desbravar de um oceano. Deste-me um sorriso. Um que nunca tinha visto. Já não era um gesto simples e sonhador. Mas um peso oscilante de mágoa e ambição.
Percebi que essa tua expedição, com nome de aventura, te tinha tragado o destino com tudo aquilo a que ouso chamar realidade. O sentimento de medo. As saudades do outrora confortável. O cheiro da morte a chegar-te perto. 
Soube que me deste razão. Que agora sabias que por mais que sonhasses e que por mais aventura que te corresse nas veias, a realidade andava sempre à tua volta, a mostrar-te os pés assentes no chão. 
Mas tu nunca foste um alguém que para. Tu nunca foste outra coisa que não um sonhador aventureiro. E voltaste a partir. Voltaste a partir, porque este país não te enche a alma. Porque eu também não e, por isso, não sou razão suficiente para te fazer ficar. Partiste outra vez, porque ter os pés no chão é demasiado para ti e tu nunca quiseste ser igual a ninguém. Tu nunca quiseste pisar o chão que toda a gente pisa. 
Abriste as asas e voaste. Voaste rumo à aventura e eu compreendi. Compreendi e aceitei, por fim, de olhos postos na realidade, que tu tinhas asas e não pés assentes no chão e que, mesmo assim, isso não significava que não me amavas. Compreendi e aceitei. E compreendi também que quem tem asas, jamais pode pousar ao pé de alguém que não pode voar.






[Imagem retirada da Internet]




Este texto integra o meu livro:


Para encomendar um exemplar, envie um email para pimenta.nicp@gmail.com