terça-feira, 29 de março de 2022

A vala do adeus não dado

Epifania do amor em tempos de pandemia





O dia nasceu. O céu tornou-se claro e a luz inundou as ruas. A meio da manhã choveu. A calçada ensopou. Apesar das restrições, havia muita gente na rua. A vida tem de continuar…, cismou internamente, com uma caneca meio cheia entre as mãos, frias como o tempo lá fora.
A custo, desviou o olhar para a fotografia exposta numa moldura bonita. Duas pessoas. Ela e outro. Outro que apesar de já não estar, tanto lhe dizia e iria dizer sempre, mesmo que não pudessem voltar a trocar palavra.
A distância era algo complexo. Algo que se podia dividir em inúmeros significados, se se encontrasse paciência para refletir. Existia a distância que a separava fisicamente daqueles que estavam, tal como ela, nas suas casas, a zelar e a rezar para que toda aquela nova e desfigurada realidade se fosse embora, para os permitir voltarem a estar juntos. Essa, era a Distância do Tempo Perdido, aquele que não podemos recuperar. E depois havia por exemplo a distância que a separava dele. Essa, não era física, ou pelo menos não e apenas só. Essa era a Distância Eterna e contrariamente à do tempo perdido traduzir-se-ia, com o avançar dos dias, no tempo que ainda se iria perder. Porque o que aconteceu ontem, apesar de magoar e provocar um nó na garganta, não pode ser modificado. É o amanhã que assusta, o sobreviver depois de uma tempestade, o resgatar da incerteza e as tentativas de a tornar certa.
Ela, que apesar de muitas vezes negar teimava em acreditar sempre num “depois” ou num amanhã melhor, sabia perfeitamente que aquela realidade esgotante e desconexa acabaria por passar. E, quando passasse, haveria novamente espaço para os sorrisos, haveria mais almoços de família, mais idas ao cinema, mais programas, mais festas, mais normalidade – normalidade daquela que sempre conheceu. Mas não haveria mais “eles”. Eles. Os dois. Como juraram. Como prometeram, mesmo nas alturas difíceis, contra tudo e contra todos.
Para eles não haveria mais nada. Para ele, nunca mais haveria o que quer que fosse. A pandemia veio trazer a vala do adeus não dado. Nela, está cada nome, atirado e amachucado como se a fazer apenas número para mais tarde figurar numa estatística qualquer. Mas cada número corresponde, na verdade, a algo concreto. Cada número corresponde a uma vida. A vida perdida!
Todos os dias, quando nos sentamos em frente à televisão, quando vamos dentro do carro no meio do trânsito a ouvir a rádio, quando lemos no jornal ou na Internet: “Hoje Portugal atingiu um total de X infetados; Morreram X pessoas”. O que pensamos? Em quem pensamos primeiro? Nos infetados! Alguns talvez pensem até “amanhã posso ser eu…”. E nos mortos? Será que também se pensa neles de igual forma? Será que temos consciência do risco, do peso, das implicações e das verdadeiras consequências deste vírus invisível mas tão poderoso e letal?
Cada número somado na vala do adeus não dado, não é apenas um número. Cada número corresponde a uma vida. Uma vida que se perdeu e que não volta, como nós certamente voltaremos um dia à normalidade, quando toda esta realidade nova e desconexa e destruidora finalmente terminar.
Era o adeus não dado que dilacerava o peito dela. Porque não houve despedidas. Não houve uma última palavra de amor e afeto, dirigida ao amor da sua vida. Não houve um único e último olhar. Não houve sequer um adeus. O amor em tempos de pandemia tira-nos muito mais do que a oportunidade de amar. Tira-nos a oportunidade de viver e acreditar no que quer que seja, especialmente que tudo vai voltar a ser igual ao que era antes.

P. S. – Texto escrito em 2020, durante a pandemia do COVID-19.






[Imagem retirada da Internet]



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terça-feira, 22 de março de 2022

As Páginas da Pocahontas | Blogue





Bem-vindo ao blogue As Páginas da Pocahontas.

Este espaço será inteiramente dedicado à divulgação dos meus textos, mediados pelo equilíbrio entre a realidade e o sonho. Criei-o em 2014 e, após um breve interregno, não da escrita mas da partilha de publicações aqui, decidi reativar esta plataforma, voltando a utilizá-la para a publicação regular de textos, contos, páginas de diário, poemas e tudo o que a escrita me gritar para escrever.
Sem muitos adornos em termos de design, pretendo que este seja um espaço simples, onde o que prevalece é, sem dúvida, a escrita e os conteúdos de cada post.
Este blogue é o conjunto de oito anos de trabalho, dedicação e amor, que têm tudo para continuar e dar certo. Porque escrever é amor e ler é amar!
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[Imagem retirada da Internet]