São nove da manhã. E a marcação cerrada dos ponteiros do relógio não dá ponto sem nó. Porque às nove da manhã todo um mundo repetitivo começa.
Os oníricos da carne, robôs da sociedade. Elegantes nas indumentárias, com cheiro a limpo e a manhã renovada, emanados na maneira assertiva de caminhar e na voz, monopolizada para o tom certo. Deselegantes, num mundo que precisa da mudança. A mudança encontrada nesses sonhos, no estado letárgico que as escassas horas da noite permitem entre os lençóis, que não querem ser deixados sós, quando o despertador toca.
Mas como cordeirinhos bem ordenados de um rebanho, lá vão. Seguem em fila indiana, deixando a quimera da noite nas horas altas. Porque a partir das nove, o cosmopolitismo comanda. “O Homem é uma máquina”.
Põem os sonhos de parte e avançam, porque é isso o que é esperado da parte deles. É isso o que está afixado invisivelmente num placard qualquer, algures na mesma cidade poeirenta de sempre, cinzenta, esbanjadora, que os faz esbanjarem também as vontades, guardando-as dentro da caixinha onde guardam o ordenado.
E às cinco da tarde, no horário de saída, este prolonga-se com as chamadas horas extra, que não somam nada – apenas subtraem tudo. O ir buscar os filhos à escola. O partilhar aquele prato especial, com o amor das suas vidas. A ida ao cinema, para descontrair e sentir que se está vivo.
Mas não faz mal. Não faz, porque os robôs da sociedade precisam de muito pouco. Uma sandes chega-lhes para calar o estômago. Uma promessa de amor eterno enviada através do WhatsApp basta-lhes, para saberem que ainda não estão solteiros. Uma foto dos filhos emoldurada, sob a secretária, lembra-lhes que o “vou ficar a trabalhar até mais tarde”, é todo por eles.
Oníricos da carne, não se apercebem que são também oníricos da própria vida e do que está à sua volta. Para a sociedade são apenas um número, mas para alguém, por vezes alguém de tão pouca idade que ainda não sabe dizer por palavras o que é o Amor, são a vida inteira.
“O Homem é uma máquina”, seja o que for que isso significa. “O Homem é uma máquina”, esquecendo-se que não é a máquina do tempo. Porque essa, só existe nas horas altas da noite, em que inconscientemente se permitem sonhar.
[Imagem retirada da Internet]
Este texto integra o meu livro:
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