Eu decidi que não iria ficar parada durante muito tempo. O punhado de areia movediça e escorregadia que me fez tropeçar tantas vezes, escapa-me, grão a grão, por entre os dedos. Eu decidi que não iria ficar parada durante muito tempo. Só permaneci imóvel, num casulo de solidão, o tempo necessário para deitar abaixo as minhas muralhas de anseio e reerguê-las no templo da imensidão, onde essa areia não me escapa das mãos e onde se envolve e nos envolve, para lá daquilo a que ousamos chamar realidade.
Ampulheta que demarca a minha estrada de encontro à vida, perco em cada grão de areia caído, um pedaço dessa ingenuidade que me toldou o coração, mais tempo do que aquele que tenho agora para me refazer mulher.
Bati com a porta e deixei do outro lado as desilusões teimosas, que correram comigo por uma praia deserta de luz e povoada de estrelas e ilusão. Com elas, deixei sair todos os amores falhados, todos os amigos falaciosos e todos os inimigos sorridentes. E arrisquei, nessa fração reduzida de minutos que sobrava, cultivar ideais no meu templo, que ditassem as regras que eu decidi seguir, em simultâneo com a minha decisão de que não iria ficar parada durante muito tempo.
O mar secou e a areia evaporou-se. A ampulheta dividiu-se na dimensão sonho/realidade, dividindo-me também entre o que é certo e o que é errado. Hoje, tenho a opção de me tornar outra pessoa. Mais forte. Mais guerreira. Mais consciente de si própria e do que está à sua volta.
Porém, ainda humana. E com essa cláusula, ainda suscetível às gotas de veneno que ficaram desse mar que não secou por completo e que nunca secará.
Eu decidi que não iria ficar parada durante muito tempo. E esse tempo esgotou-se! Se algum dia voltar a ficar encurralada entre a espada e a parede, será para virar a ampulheta ao contrário e entender quanto tempo demorará uma alma a remendar-se do que resta de uma vida.
[Imagem retirada da Internet]

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