A porta está fechada. As janelas cerradas por cortinados espessos, que não deixam filtrar a luz. Há quem compreenda. Há quem faça por compreender. E há quem não esteja para aí virado. Eu estou. Preciso de saber porque é que temos dias assim, que parecem noite ou que ainda são mais escuros do que ela.
Há noites de luz. Tu sabes. Eu sei. Toda a gente sabe. Há noites de luz em que os sorrisos iluminam mais do que as estrelas. Mas hoje é o oposto o que se desenrola nas paredes que me cercam.
Portas fechadas, janelas trancadas. E a minha certeza de que, cá dentro, o abismo está perto.
De todas as vezes em que caí, levantei-me guerreira guiada por forças que ficam para lá do que o mundo crê e que vêm sabe-se lá de onde. Sempre me vi como a última gota do copo, a que resiste quase no momento-limite. Ninguém sabe que, acima da superfície, só consigo ser esta muralha de pedra, movida a tempestades e a dias que trocam com a noite.
E é tudo uma confusão nesta realidade que eu criei para mim. A verdadeira não me interessa. Tem demasiados ressaltos e demasiadas coisas más. Nunca me contentei com o dia, muito menos se ele não tiver luz. Sou filha da noite, mas de uma noite onde as estrelas iluminam e onde até eu mesma ilumino a lua com a minha luz.
Sei que me cercam aqui dentro. Dentro desta tal muralha. E sei que lá fora há claridade, sol e vida. Há alguém que me puxa. Que me tenta levar para o outro lado. Onde o dia e a noite aparecem e se desvanecem no tempo certo.
Mas esse alguém é como eu. Também ergueu uma muralha de pedra à sua volta. E também se encontra num impasse, quase tão grande como o meu...
Uma rajada de vento vem e sopra. Sopra com força e apanha-me desprevenida. Há quem chame a essa força Destino, mas eu não sei o que lhe chamar. Só sei que talvez tenha de lhe agradecer.
Quando olho para trás, vejo a porta aberta e constato que foi o seu sopro de fúria que a deixou assim. Como a ponte para o outro lado, fora da minha muralha de pedra.
Agora não tenho desculpa. Tenho tudo! Tenho a coragem, tenho os medos, tenho os receios. Tenho-me por completo, pois ninguém se pode dividir. E tenho esse alguém, de mão estendida, à espera que eu vá e a cubra com o calor da minha.
A porta está aberta e eu avanço. Não parece real. Não é! Há quem compreenda. Há quem faça por compreender. E há quem não esteja para aí virado. Eu estou. E não me importo.
Mesmo que tenha de me armar outra vez em heroína. Mesmo que volte a ser aquela guerreira, em que nem eu própria me reconheço, lutando contra tudo e todos, não me importo.
A porta está aberta e eu vou. Do outro lado, há alguém de mão estendida para mim. Mas não só! Do outro lado está quem eu quero ser. Um ser diferente. Que arrisca. Que não desiste. E que luta até ao fim. Ouvi por aí algures que o comum não nos atrai...
[Imagem retirada da Internet]
Este texto integra o meu livro: